
Fonte: Economia - iG @ http://economia.ig.com.br/2017-10-30/reforma-trabalhista-ambito-juridico.html
No dia 11 de novembro entram em vigor as mudanças aprovadas pela reforma trabalhista, um conjunto amplo de alterações da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que traz sérios prejuízos ao trabalhador.
Confira, abaixo, o texto sobre o assunto assinado pelo pesquisador Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos, do Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural (Dihs), da Ensp/Fiocruz.
Fico muito honrado por poder participar do debate no Webcesteh sobre a Reforma Trabalhista (RT). Por ser um tema de extrema relevância, que afeta a vida de todos nós, existe na rede uma infinidade de análises disponíveis, muito ricas, e expressam, de forma muito explícita, o lugar de fala de quem as faz. As análises são absoluta e totalmente contra ou a favor. Isso porque não há possibilidade de equilíbrio entre as posições assumidas, já que a reforma trata descaradamente de um conjunto de regras impostas de uma classe sobre a outra. Portanto, quem se posiciona sobre a RT o faz contra ou a favor porque é contra ou a favor da dominação esmagadora de uma classe sobre a outra.
Pois bem, a RT é um sensor civilizatório. Do mesmo modo que os sismógrafos sinalizam terremotos, a reforma sinaliza o declínio da civilização do trabalho. Isso é o menos pior. O maior problema é que a retirada de direitos da RT tem a mesma partitura da mesma orquestra que toca a mesma música da retirada de direitos em geral. No campo político, os que apoiam a RT, em sua grande maioria, são os mesmos que apoiam a devastação ambiental, o fim do estado laico e o ensino religioso oficial, a censura na arte, a homofobia, a xenofobia, a discriminação racial, religiosa e étnica, a concentração crescente de renda, o financiamento público do lucro privado, a privatização das políticas sociais, a manutenção dos esquemas de corrupção, isso só pra ficar em algumas (poucas) questões que sinalizam o fim do processo civilizatório brasileiro, conquistado a duras penas. Se tiverem dúvidas de quem votou a favor da RT comparem com sua posição sobre essas demais questões. É só conferir. Não demora, haverá alguém querendo acabar com a Lei Maria da Penha, o fim do voto feminino e a revogação da Lei Áurea. Parafraseando José Saramago sobre a linguagem usada na internet “de degrau a degrau vamos descendo até o grunhido”, posso dizer que a RT chegou quase ao fim da escada, em matéria de grunhido civilizatório. Só falta um ‘empurrãozinho’ dos colegas RÉformistas (reformistas para trás). Posso chamar esses legisladores de pós-modernos do retrocesso da civilização brasileira.
Já o debate da reforma trabalhista é um pouco distinto do da reforma da previdência. Não é à toa que esta já está sendo protelada. A luta de classe perde o protagonismo na reforma da previdência, por isso, a classe dominante, opressora e oportunista, já levou o que queria no atual governo. O resto é perfumaria, por enquanto...
A rigor, essa reforma não é uma novidade. Impedir a conquista de direitos da classe trabalhadora e, uma vez conquistados, tentar retirá-los, faz parte da natureza do capital. Não é da sua natureza diminuir a acumulação para aumentar direitos de corpos (por acaso humanos) da engrenagem que o reproduz ao infinito.
Assim, o ensaio dessa reforma que retira direitos da classe trabalhadora vem se expressando desde que os primeiros direitos dos trabalhadores na relação capital-trabalho foram inicialmente “concedidos” e posteriormente conquistados na luta dos trabalhadores.
Posso dizer que essa reforma vem sendo engendrada há pelo menos 220 anos, desde as primeiras leis inglesas, pois a todo direito concedido à classe trabalhadora, o capital é ferido de morte na sua condição de existência. As leis de proteção ao trabalho sempre descontentaram o capital. O que segurou, historicamente, o descontentamento do capital e fez prevalecer o direito foi uma conjugação de fatores. Posso enumerar alguns: o grau de civilização de um país, a organização da classe trabalhadora e sua capacidade de luta, a maior distribuição de renda, o nível de escolarização da população, a solidez das instituições públicas de defesa da cidadania e, entre outros, uma classe política com algum grau de autonomia e independência do poder econômico. Se olharmos para esses fatores, vemos que, hoje, no Brasil, faltam todos eles, de forma parcial ou total, mas faltam. Por isso, a RT é um sensor civilizatório no Brasil.
Mas, por sabermos que o capitalismo não foi feito para propiciar direitos para os que trabalham, mas apenas para os que acumulam, essa não é uma reforma definitiva, tampouco vitoriosa. Ela conclama ao acirramento de uma luta entre as classes – opressora e oprimida – que vinha sendo mitigada, no caso brasileiro, pelo fator de confundimento de que a classe trabalhadora estaria (embora pontualmente) no poder nos últimos anos. Não estava.
Para não repetir o que já foi exaustivamente analisado sobre os diversos pontos da reforma (mais de uma centena), penso que a reforma tem como sua essência – e alma de sua natureza – a perversidade da exploração sem máscaras ou disfarces.
Assim, a Reforma Trabalhista, realizada pelo poder econômico e o grande capital, nacional e internacional, usando o Congresso Nacional como cavalo ...
1. ...só tem um lado – o lado da opressão do capital sobre o trabalho na essência de seu conflito essencial – não tem qualquer ponto que seja favorável ao trabalhador;
2. ...perde a vergonha de, além de não conceder mais direitos, retirá-los;
3. ...elimina de uma tacada aquilo que mais lhe incomoda: o sindicato que reclama, o trabalhador que reclama, a justiça que tenta moderar a exploração;
4. ...consegue apoio da população de baixa renda e camadas de classe média baixa, contaminando seu imaginário simbólico de múltiplas formas, com ênfase na criação de um exército de milhões de microcapitalistas individuais (é a criatura criando seus semelhantes);
5. ...debocha do Estado de direito brasileiro ao pressupor a supremacia do negociado sobre o legislado;
6. ...tripudia do sindicalismo brasileiro, em geral, demonstrando que essa batalha, embora não seja a última, foi ganha por eles. É um sinal claro de que eles querem que todo sindicalismo seja de resultados harmonizados aos interesses do poder econômico no parlamento;
7. ...ri da esquerda brasileira que chocou o ovo da serpente, ao associar-se às empreiteiras, ao agronegócio e ao PMDB “autêntico” (entre outros), nos últimos governos;
8. ...desmoraliza o eleitor brasileiro ideológico e esclarecido que não elegeu um congresso para suprimir direitos (humanos, como é o caso) e, sim, para ampliá-los;
9. ...inaugura a mais perniciosa associação que já se fez no Brasil: corrupção no parlamento + concentração de renda + maiores riquezas + maiores empresas + poder executivo vendido + Estado pilhado + desemprego = REFORMA TRABALHISTA;
10. ...projeta uma série de consequências favoráveis que, sem exceção, não têm qualquer sustentação – jurídica, ética, econômica, estatística, científica ou política – de que vão dar certo. A única certeza é que o capital será desonerado e que o trabalhador perderá direitos consagrados.
Não há um aspecto, um sequer, que se poderia dizer favoreça o trabalhador, considerando-se os prós e contras do que pode acarretar cada mudança, analisando-se sua especificidade. É uma reforma performática, com demonstração de força de um bloco neoliberal radical, hoje hegemônico no Congresso, que, ao contrário do que prega, não está preocupado com a geração de emprego qualificado. e, sim, com a ampliação do consumo via empreendedorismo e consolidação de uma sociedade de mercado, cujas políticas sociais sejam apenas focais. A reforma trabalhista é um outro indício, além da terceirização (já consignada) e da reforma previdenciária (a caminho), de que se o poder (e o jogo) político não mudar, o Brasil vai mudar, como já está mudando, para um nível de retrocesso no campo dos direitos civis, sociais e econômicos sem precedentes. É o grunhido da barbárie.
Rio de Janeiro, 07/10/2017
Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos
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