Dia 31 de março é o Dia Nacional da Saúde e da Nutrição, que tem como objetivo discutir os complexos desafios para a promoção de uma alimentação saudável e adequada para a saúde. Atualmente, mudanças no padrão de consumo alimentar da população brasileira têm evidenciado um novo cenário nutricional e de saúde, com aumento do número de casos de obesidade relacionados ao desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. E como essas questões influenciam diretamente na saúde do trabalhador e trabalhadora? A busca pela resposta despertou o interesse das pesquisadoras e nutricionistas do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz) Monique Paulino, Karla Meneses e Thais Esteves, que estão desenvolvendo a pesquisa Perfil alimentar, nutricional e laboral dos trabalhadores atendidos no ambulatório de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana do CESTEH.
Segundo as nutricionistas, o processo de trabalho pode ser pensado como um dos fatores determinantes para o alto consumo de alimentos industrializados, uma vez que os períodos de pausa para as refeições intrajornada tende a ser encurtado. “As jornadas de trabalho são cada vez mais longas e extenuantes com altos índices de estresse, podendo afetar a saúde dos trabalhadores. Além disso, depois de 2017, com a Reforma Trabalhista, as empresas têm a possibilidade de diminuir o tempo de almoço para apenas 30 minutos. Essa medida traz repercussões na saúde dos trabalhadores, uma vez que o tempo de descanso é fundamental para a recuperação do desgaste ao longo da jornada de trabalho”, salientou as pesquisadoras.
As nutricionistas apontam que dois grandes desafios precisam de um olhar mais aprofundado. Um deles é sobre repensar o papel da nutrição no campo Saúde e Trabalho. “Precisamos caminhar para além de abordagens individualizantes e comportamentais, e práticas apenas assistenciais. As ações devem observar os processos produtivos, a organização do trabalho e suas repercussões sobre a saúde dos trabalhadores, a fim de promover a atenção integral à saúde do trabalhador”.
O outro, é sobre a insegurança alimentar e nutricional no mundo do trabalho atual, especialmente naqueles trabalhadores com vínculo de trabalho informal com condições que não favorecem a realização de práticas alimentares adequadas e saudáveis. As pesquisadoras citam como exemplo o caso dos cicloentregador, trabalhadores que fazem entrega de fast food com bicicleta. “Eles, — além de vínculos precários de trabalho, rendimentos mensais baixos, carga de trabalho extensa pedalando muitos quilômetros por dia, onde o gasto calórico não é compensado com a ingestão adequada de micro e macronutrientes — têm continuamente seus direitos violados na garantia a uma alimentação adequada", salientaram. Mudanças no mundo do trabalho propiciadas pelas reformas previdenciária e trabalhista, agravadas a partir da eclosão da pandemia de Covid-19 no ano de 2020, junto com a desestruturação de políticas públicas de saúde aprofundaram as desigualdades sociais no país e dificultaram o acesso a direitos humanos básicos.
“A fome é maior nos domicílios em que a pessoa
responsável está desempregada (36,1%),
trabalha como agricultor(a) familiar (22,4%) ou
tem emprego informal (21,1%). Já a segurança
alimentar é maior nos lares onde o chefe da família
trabalha com carteira assinada, chegando a 53,8%
dos domicílios.”
Dados do Inquérito sobre Insegurança Alimentar da Rede PENSSAN
A reflexão das nutricionistas é baseada em estudos que mostram que os padrões alimentares devem ser analisados por perspectivas econômicas, culturais, nutricionais e sociais. Dentre várias questões que afetam as práticas alimentares atualmente, o crescimento de redes de supermercados disponibilizando diversos itens alimentares, aumento de restaurantes e lanchonetes principalmente os que oferecem refeições fast food, a publicidade associada aos alimentos potencializa, e muito, as mudanças nos hábitos alimentares de trabalhadores brasileiros, já que a indústria de alimentos tem, objetivamente, determinado as escolhas e o consumo de alimentos ao redor do mundo. “São esses os desafios que o campo da Alimentação e Nutrição e o da Saúde do Trabalhador precisam enfrentar. E que nesse dia 31 de março de 2024 mais do que simplesmente trazermos orientações verticalizadas ‘ensinando o trabalhador e a trabalhadora a comerem de forma correta’, precisamos nos juntar à luta em defesa à alimentação adequada e saudável, as condições de trabalho dignas e ao trabalho decente”, concluíram.
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