“Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. E elas não souberam esperar! Principalmente ela, Rosa Amélia Alves de Araújo, que na busca de fazer acontecer ajudou a salvar a vida de diversas trabalhadoras e trabalhadores, interveio na melhoria da saúde diante do processo de trabalho e fundou a Associação Brasileira de Amianto (Abrea) no Rio de Janeiro. Por isso, nada mais do que justo homenagear mulheres que, como Rosa Amélia, continuam na luta pela melhoria da saúde das trabalhadoras em todas as categorias. Para honrá-las, o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz) realizou o evento Mulheres e Trabalho: histórias de vida, histórias de luta, no dia 12 de março, em alusão ao dia 8, Dia Internacional das Mulheres, para entregar a Medalha Rosa Amélia Alves de Araújo a sete homenageadas.
Para participar da cerimônia de abertura foram convidados o vice-presidente de Ambiente Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Hermano Castro, o diretor da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Marco Menezes e a coordenadora do Cesteh, Rita Mattos.
O vice-presidente da VPAAPS, Hermano Castro, participou diretamente do processo de Dona Rosa no Cesteh. Em sua fala, ele contou que conheceu a trabalhadora depois de uma demanda do setor de dermatologia. “Ela (Rosa Amélia) trabalhava numa indústria do qual tinha contato direto com o amianto e apresentava manchas na pele, mas a médica que acompanhava também me alertou que ela se queixava de problemas respiratórios, como tosse, dificuldade de fazer pequenas atividades por conta do cansaço” salientou ele, não conseguindo conter a emoção ao narrar o encontro que teve com a trabalhadora que lhe deu uma verdadeira aula sobre o processo de trabalho dentro dessas fábricas, principalmente realizado por mulheres. “Quando ela terminou de me contar, eu combinei com ela de trazer todas as suas amigas para serem avaliadas no ambulatório do Cesteh”.
O interesse em avaliá-las, como explicou Hermano Castro, se dá por conta da manifestação tardia da doença. Segundo ele, o trabalhador e a trabalhadora têm contato com a fibra do amianto ainda jovem, no processo de trabalho, mas a doença só se manifesta anos depois, onde muitos desses trabalhadores já estão até aposentados. “Foi daí que começamos a nos organizar em grupo para acompanhá-los. Convidamos a pesquisadora Fernanda Gianassi, e com outras mulheres pesquisadoras do Cesteh começamos a articular esse monitoramento. E que fique claro: a Abrea do Rio de Janeiro começou por um movimento de mulheres e não de homens”, salientou Hermano que continuou enfatizando a importância de Rosa Amélia em todo o processo de desdobramento sobre o amianto. “Dona Rosa era uma guerreira, sempre a frente. Toda a história do amianto, até mesmo a exposição no meio ambiente, dos produtos comercializados com a substância ela trouxe para cá. Foi depois do questionamento de um juiz em uma audiência sobre a exposição do componente no meio ambiente que começamos a pesquisar juntos e logo depois, começou a sair no mundo inteiro estudos sobre a exposição do componente no ambiente”. Ao finalizar a sua fala, o vice-presidente da VAAPS reforçou que a luta continua. “Precisamos de uma reparação histórias para aqueles que estiveram a exposição da substância por tanto tempo”, finalizou.
A extração, industrialização, comercialização e distribuição do amianto no Brasil foi proibida no ano de 2018 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, os ministros consideraram inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei Federal 9.055/1995, que permitia o amianto do tipo crisotila, tornando, assim, o banimento da substância na indústria brasileira como definitivo. E o caminho percorrido pelo Cesteh junto com a colaboração da Dona Rosa e diversas outras mulheres tiveram contribuições significativas que ajudaram nessa decisão.
O diretor da ENSP/Fiocruz, Marco Menezes, também acompanhou a história da Dona Rosa e consolidou a pesquisa sobre amianto no Cesteh. Em sua fala, o diretor salientou que situações apresentadas naquela época já representavam debates que surgiriam com o avanço do processo de trabalho, além de ressaltar o quanto é importante trazer a sociedade para os debates acadêmicos. “O trabalho com amianto representa muito as questões atuais do debate do gênero x trabalho e da questão da saúde do trabalhador e trabalhadora. Esse trabalho, já apresentado anteriormente pelo Hermano, mostra claramente como é importante debater junto com a sociedade e os movimentos sociais esses pontos. Essas mulheres são vítimas e protagonistas ao mesmo tempo”, enfatizou o diretor, que reforçou a importância da avalição de novas políticas publicas para enfrentar a invisibilidade do trabalho em relação ao cuidado das mulheres. “Esse trabalho não é nivelado, e na questão do amianto, nesse trabalho todo feito pela Abrea, a Dona Rosa já mostrava toda a invisibilidade e exposição das mulheres. A questão da saúde pública precisa avançar, e esse é o momento",finalizou ele, pontuando que todo o processo foi de grande aprendizado para ele.
Homenageadas
Maria Lucia Nascimento do Carmo e Terezinha Fortunado – Representantes Abrea – RJ
Representando a Abrea – RJ, a convidada foi a atual vice-presidente da Associação Maria Lucia Nascimento do Carmo. Formanda em magistério, Maria Lúcia trabalhou como fiandeira por 11 anos na indústria têxtil de amianto no Rio de Janeiro, onde foi acometida pela asbestose. Trabalhava como merendeira em Paraty quando através de Rosa Amélia e Ruth teve o conhecimento dos malefícios do amianto, e iniciou sua participação nas reuniões da ABREA-RJ, se tornando assim uma das precursoras na luta. “Quando chegamos aqui estávamos mortas, mas eles nos chamaram para a vida”, enfatizou Maria Lucia, imbuída pela emoção. Junto com ela, Terezinha Fortunato, encaminhada para o Cesteh também por Dona Rosa e participante das reuniões da Abrea-RJ até hoje, recebeu a homenagem. A medalha foi entregue pelo diretor da ENSP, Marco Menezes.
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Guilhermina Luzia da Rocha
A professora da rede pública e privada do Rio de Janeiro, Guilhermina Luzia da Rocha recebeu a medalha representando a categoria da educação. Guilhermina tem anos de militância sindical em defesa dos direitos dos educadores. Além disso, é coordenadora da Secretaria de Saúde e Previdência da Federação Estadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino no Estado do RJ (FETEERJ) e diretora do Sindicato dos Professores de Macaé e Região (Sinpro Macaé e Região). Guilhermina contou que o desejo pelo magistrado começou na infância, quando descobriu que sua mãe não sabia ler e escrever e a motivou para recomeçar os estudos. A medalha foi entregue pela pesquisadora do Cesteh Kátia Reis, que explicou como começou a relação entre o Cesteh e os movimentos sindicais da educação, explanando sobre o entendimento do processo de trabalho. “Temos que fazer uma análise crítica para mostrar aos trabalhadores que adoecemos e podemos morrer por conta do ambiente de trabalho”, salientou a pesquisadora.
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Maria Inês Fiudes - Filha da Dona Rosa Amélia, presente!
Para representar a mulher que deu nome a medalha, foi convidada a sua filha, Maria Inês Fiudes, que agradeceu o carinho e reconhecimento de todos numa fala curta e cheia de emoção. Ao convidar a filha da homenageada para o recebimento da medalha, a coordenadora do Cesteh, Rita Mattos, contou um pouco mais da trajetória da trabalhadora do qual emocionou a todos os presentes. “Nascida 25 de agosto de 1939 no Espírito Santo, trabalhou como fiandeira por 14 anos na indústria têxtil de amianto no Rio de Janeiro, onde foi acometida pela asbestose falecendo em 9 de julho de 2006. Foi através da nossa querida amiga e pioneira na luta, que tudo começou. Após seu diagnóstico iniciou a busca ativa a suas ex-companheiras a pedido da equipe médica interdisciplinar e de serviço social do Cesteh. Grande guerreira que fez um lindo trabalho de “formiguinha” indo atrás de muitas colegas e amigas para saber como elas estavam e muitas vezes ao chegar às casas de algumas as encontravam debilitadas e desanimadas com a vida, pois estas se queixavam de falta de ar e outros sintomas. Com grande sabedoria nossa Rosa os chamava para a vida, sempre mostrando que devemos lutar coletivamente. Dizia Dona Rosa: a minha luta não é só minha é coletiva e pela vida. Foi e é nossa eterna presidente da ABREA-RJ. Sua trajetória deixou um legado de luta e resistência”.
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Maria de Lourdes do Carmo “Maria dos Camelôs
Coordenadora geral do Movimento Unido dos Camelôs e da Ocupação Gilberto Domingos e coordenadora estadual do Movimento Trabalhadores Sem Direitos, integrante da UNICAB e da Streetnet, Maria dos Camelôs contou como tudo começou e a ousadia que teve em iniciar um movimento mesmo sem todo o conhecimento. “O MUCA nasceu em 2016, depois que fui agredida pela Guarda Municipal. Isso aconteceu no meu resguardo, depois de ter um filho de parto cesariana. Tive que voltar para o hospital e me organizar mesmo sem saber sobre as questões políticas, lutei pelo meu direito de estar nas ruas. A entrega da medalha foi feita pela pesquisadora do Cesteh Mônica Olivar, que ressaltou a importância do movimento feito pela Maria. “Falar de Maria é falar de todas as mulheres trabalhadoras que sofrem com esse sistema machista, misógino e que sofre com a falta de direitos a saúde e condições de trabalho. Falar dela é falar de uma mulher que está se organizando para a garantia de direitos desses trabalhadores”.
Assista a fala da Maria dos Camelôs e da Mônica Olivar completa clicando aqui
Nathalia Russo
Diretora do Sindipetro-RJ de formação política e sindical e diretora da Federação Nacional de petroleiros da área de saúde, meio ambiente e segurança. É estudante de história da Unirio e integrante do coletivo feminista do PSOL. Além disso, Nathalia Russo faz parte do Coletivo Resistência Feminista e do Fórum em defesa dos direitos e das liberdades democráticas. Participou ativamente da frente Fora Bolsonaro e do Comitê de luta contra as privatizações. “A nossa luta é de base, precisamos construir no cotidiano porque infelizmente vivemos em uma cultura misógina”. A entrega da medalha foi feita pela vice-coordenadora de pesquisa do Cesteh, Liliane Teixeira, que enalteceu o trabalho das petroleiras, já que vivem em um ambiente de trabalho com maioria masculina. “As mulheres petroleiras são um grupo muito fiel na luta contra o assédio, melhoria da saúde mental e combate ao machismo”.
Assista a fala da Nathalia Russo e Liliane Teixeira completa clicando aqui
Thais Dantas, representando sua mãe, Luiza de Fátima Dantas – Homenagem póstuma
Luiza de Fátima Dantas, agente de combate as endemias desde 1988, foi líder comunitária, dirigente partidária, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Combate as Endemias e Saúde Preventiva no Estado do Rio de Janeiro-SINTSAUDERJ e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Atuou em várias frentes de luta e se destacou como militante do movimento de mulheres, dos Conselhos de Saúde municipal e Estadual. Luiza Dantas foi um exemplo de dedicação a luta por condições dignas de trabalho e pela saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e esteve à frente do projeto de pesquisa desenvolvido no Cesteh que avalia a saúde dos agentes de combate às endemias. Ao receber a medalha, sua filha expressão sua gratidão pelos ensinamentos deixados pela mãe. “Nossa família tem muito orgulho da história que minha mãe deixou. Hoje, eu fiz questão de estar aqui porque a saúde do trabalhador e trabalhadora era a principal bandeira da minha mãe, e fomos educadas para entender que o trabalhador e a trabalhadora são o moinho da vida, é assim que o brasil vai crescer e continuar crescendo se os trabalhadores estiverem bem e saudáveis. A medalha foi entregue pela pesquisadora do Cesteh Ariane Larentis que finalizou relembrando uma frase importante que ouviu de Luiza. “Ela me dizia: “Companheira, a gente vai transformar esse país”.
Assista a fala da Thais Dantas e Ariane Larentis completa clicando aqui
Estiveram presente na cerimônia a diretora do Simpro Macaé e região e FETEERJ, Rosilene Macedo, o professor da rede pública e particular e diretor do Sinpro Macaé e região, César Gomes Araújo, o representante do Sindipetro-NF Antônio Carlos Pereira Bahia, a professora da Saúde Coletiva da Unicamp Márcia Bandini, representantes do Sindicato dos Trabalhadores em combate à endemia do Estado do Rio de Janeiro (Sindsaúde) e representantes do Sindprev – RJ.
A medalha Rosa Amélia Alvez de Araujo
A homenagem para as trabalhadoras por meio da medalha foi organizada pela coordenadora do Cesteh, Rita Mattos. A partir da ideia de realizar um evento para homenagear essas mulheres, a coordenadora logo pensou em criar a medalha com o nome de Rosa Amélia, uma mulher que tanto contribuiu na luta da saúde de diversas trabalhadoras. Seguindo essas ideias, a designer da Coordenação de Comunicação Institucional (CCI/ENSP) Tatiana Lassance juntou o passado e presente, referenciando as atitudes de Rosa na identidade visual do evento e na medalha. “Representado o passado e consequentemente a 'história', optei por inserir a foto da Dona Rosa em tons de sépia, com destaque, considerando que ela é a personagem principal do evento — ainda que in memorian —, e fazer uma conexão com a identidade das medalhas que serão entregues", explicou a designer.
O passado também está representado na árvore estilizada localizada no alto à esquerda do layout com folhas e galhos pendentes e o processo de continuidade "passado & presente" está representado pelos mesmos galhos e folhas que aparecem no rodapé à direita, sobreposto às fotos das homenageadas para traduzir a ideia dos frutos que as homenageadas do presente herdaram do passado — luta iniciada pela Dona Rosa .O presente está representado pelas fotos das trabalhadoras de hoje e pelos tons coloridos que se contrapõem aos tons de sépia”, explicou a designer. As medalhas foram produzidas por Marcio Rodrigues.
Fotos: Gutemberg Brito e Virgínia Damas
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