O Centro de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP) participou de um manifesto junto com o Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat) e outras entidades sobre os desmontes ocorridos no Brasil, referentes aos direitos sociais.
O documento elucida o campo da saúde do trabalhador citando as revisões e alterações nas Normas Regulamentadoras (NR’s) e disposições complementares da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), consistindo em obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores.
Além disso, o manifesto questiona os argumentos do governo, de que todas essas normas atrapalham na modernização e criam muitas burocracias para a utilização de maquinários, atendimento a população e geração de empregos mostrando dados de como essas afirmativas prejudicam na saúde do trabalhador.
No manifesto, as entidades mostram a preocupação com as desinformações que prevalecem no processo das alterações das normas e da ausência de tempo para discussões com a base sindical.
Leia o manifesto na íntegra:
MANIFESTO REFERENTE AO TRÂMITE DE ALTERAÇÕES DAS NORMAS REGULAMENTADORAS
Em Defesa dos Direitos Sociais da Classe Trabalhadora
Em Defesa da Saúde do Trabalhador
O DIESAT e as entidades representantes da classe trabalhadora, abaixo
relacionadas, manifestam-se contrárias ao arsenal de desmonte dos direitos sociais
que vem ocorrendo no Brasil desde 2016, momento que atingiu seu caráter
ultraliberal, na contramão do pacto social de 1988. Entre tantos desmontes, vimos
através deste manifesto elucidar a ofensiva ao campo da Saúde do Trabalhador que
revisa e altera as Normas Regulamentadoras (NRs), disposições complementares
ao capítulo V da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), consistindo em
obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores
com o objetivo de garantir o trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de
doenças e acidentes de trabalho. De acordo com a CLT, a elaboração e revisão das
NRs deve ser realizada adotando o sistema tripartite paritário por meio de grupos e
comissões compostas por representantes do governo, de empregadores e de
empregados.
Com o argumento falacioso do governo de “simplificar as regras e melhorar a
produtividade”, a proposta é reduzir em 90% as normas vigentes para, segundo o
governo, “modernizar as normas de saúde, simplificando, desburocratizando, dando
agilidade ao processo de utilização de maquinários, atendimento à população e
geração de empregos”. Em consonância, a secretaria especial de Previdência e
Trabalho do Ministério da Economia, alegou, no início do processo para a imprensa
que as mudanças começariam a no mês de junho de 2019 pela NR 12, com a
participação tripartite de representantes da União, dos empregadores e dos
trabalhadores e que a posteriori seriam tratadas ainda este ano as NRs 1
(Disposições Gerais), 2 (Inspeção Prévia), 3 (Embargo ou Interdição), 9 (Programa
de Prevenção de Riscos Ambientais), 15 (Atividades e Operações Insalubres), 17
(Ergonomia), 24 (Condições Sanitárias e de Conforto no Local de Trabalho) e 28
(Fiscalização e Penalidades).
A Norma Regulamentadora No 12, por exemplo, define referências técnicas,
princípios fundamentais e medidas de proteção visando garantir a saúde e a
integridade física dos trabalhadores. Dentro dos métodos de controle adotados para
garantir a segurança no trabalho estão, a definição de protocolos e fluxos de
trabalho em todas as fases de operação e manutenção de máquinas, treinamento
documentado de todos os trabalhadores, e a projeção e instalação de sistemas de
segurança, os quais compreendem proteções físicas fixas e móveis, dispositivos de
monitoramento, circuitos de acionamento e dispositivos mecânicos, todos instalados
de forma monitorada por interface de segurança certificada conforme a categoria de
risco avaliada. Conforme o primeiro item citado na NR-12, a mesma se aplica a
todas as atividades econômicas, ou seja, toda e qualquer empresa que possua
equipamentos ou fluxos de trabalhos que apresentem riscos aos trabalhadores
devem tomar as medidas cabíveis para garantir a saúde e a integridade do mesmo.
Os Empregadores questionam a aplicabilidade da NR no 12 quanto ao excesso de
exigências e quanto ao custo excessivo calculado pela CNI em 100 bilhões de reais
gastos para adaptação das novas regras. A reivindicação do setor privado tem um
pleito explícito e bilionário: modificar as mais recentes alterações feitas nas regras
de segurança de equipamentos e máquinas usadas no país ao alegar custos
estimados em 100 bi para a adaptação de novas regras. Reduzir as exigências
implicaria em expor os trabalhadores a riscos ora combatidos, representando igual
retrocesso no âmbito da segurança e da saúde dos trabalhadores brasileiros que
lidam, diariamente, com máquinas e equipamentos capazes de provocar mutilações
e mortes.
No Brasil, desde 1970, quando começam os registros sistemáticos em âmbito
nacional, mais de 35 milhões de acidentes foram notificados, registrando-se para
além de 100 mil óbitos entre trabalhadores jovens e produtivos. De 2012 a 2018,
com os dados do Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho, do
Ministério Público do Trabalho, que abarca dados do Anuário Estatístico de Acidente
de Trabalho da Previdência Social, referente a trabalhadores formais, máquinas e
equipamentos causaram 2.058 mortes, praticamente uma morte por dia de
trabalhadores no Brasil, tivemos também 25.790 amputações causadas por
máquinas e 528.473 acidentes, no qual o custo calculado é de R$ 732 milhões com
aposentadorias e pensões que foram concedidas depois de acidentes com máquina.
Ratificamos que o custo imaterial, desse genocídio populacional é incalculável! O
argumento do governo de “modernização” e geração de empregos é insustentável e
não leva em consideração as particularidades da formação sócio histórica do país,
situado como periférico e dependente na mundialização do capital, o último do
mundo a abolir o sistema escravagista, que manteve a mesma lógica de
subserviência da classe trabalhadora ao capital e ao lucro desenfreado, o que
ocasiona uma das piores distribuição de renda do mundo.
Aos 23 de janeiro de 2020, o DIESAT mobilizou uma reunião com a
representação da classe trabalhadora para um debate ampliado sobre o
procedimento das alterações NRs. Na oportunidade estiveram presentes diversas
entidades sindicais, tais como trabalhadores(as) em saneamento básico,
metroviários, construção civil, eletricitários, metalúrgicos, químicos, petroleiros,
portuários, ferroviários, atores sociais do campo da Saúde do Trabalhador e do
Ministério Público do Trabalho (MPT). O debate centrou-se na preocupação quanto
ao volume de desinformações que pairam o processo das alterações e, também, da
ausência de tempo para discussões com a base sindical. Os representantes da
classe trabalhadora na CTPP, alegaram que todos os temas em consenso têm sido
aprovados, e aquilo que ocorre divergência coloca-se em debate. Mas frisam o
tempo abreviado para as alterações e para efetivamente se comunicar com suas
bases, o que demonstra a forma arbitrária com que o governo vem conduzindo o
processo.
Além dos representantes das Centrais Sindicais, O MPT tem participado na
condição de convidado e observador das reuniões, e trouxe as dificuldades das
discussões técnicas sobre as alterações e a preocupação quanto ao discurso em
que o governo coloca sua justificativa para as alterações das NRs na perspectiva de
redução de custos, e não pensando nos impactos à saúde da classe trabalhadora.
Desse modo, ajuizou no dia 30 de março de 2020 uma Ação Civil Pública com
pedido de Liminar em face da UNIÃO, pelo acelerado procedimento de revisão de
todas as NR’s, promovido de modo afoito, com pouquíssimo tempo para análise e
amadurecimento de propostas das bancadas e sem os imprescindíveis estudos
científicos e de impacto regulatório que as legitimem e viabilizem embasamento
distinto das simples opiniões pessoais daqueles que estão à frente das novas
redações.
Na ação alega que somente nos últimos 5 (cinco) meses, 6 (seis) NR’s foram
alteradas e, a qualquer tempo, pode vir a ser publicada mais uma Portaria de
modificação, alusiva à NR-31 (sobre meio ambiente no trabalho rural). Tal norma foi
discutida pela Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) em somente 2 (dois)
dias de reuniões, em 10 e 11 de março de 2020, e nas quais também se iniciaram
deliberações para ampla revisão das NR’s 17 (Ergonomia), 4 (SESMT) e 5 (CIPA).
Salientam que as reuniões sobre as NR’s demandam debates técnicos
aprofundados, que deveriam ser conduzidos presencialmente e em um momento no
qual houvesse possibilidade de efetiva consulta às bases pelas bancadas dos
trabalhadores e empregadores a fim de discutir e uniformizar os seus
posicionamentos. Estas, porém, atualmente, estão focadas em estratégias para
sobrevivência durante a crise, manutenção de empresas e empregos e em vultosas
alterações organizacionais para prevenir contaminações e a propagação da
pandemia.
Atrelado à essas breves considerações, temos uma Seguridade Social
inconclusa, que completou apenas 30 anos de forma extremamente fragilizada. Os
retrocessos já davam luz desde a implosão do Ministério da Previdência Social
(MPS), responsável pela elaboração de políticas, gestão e fiscalização da
previdência social no Brasil, passam a ter desde 2016 suas atividades loteadas entre
os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento Social e Agrário, reafirmando a
afronta diretamente os princípios norteadores da seguridade social, consagrados na
Constituição Federal e a opção de privilegiar o mercado financeiro em detrimento de
uma Política Social. Não nos resta mais dúvidas que a pretensa “reforma” impactará
gravemente nas condições de vida e saúde da sociedade brasileira.
Na mesma perspectiva, desde o início de 2019, presenciamos o fim da
existência do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e suas atribuições enquanto
responsável pelas questões relacionadas às relações trabalhistas no país,
garantindo a estabilidade e o equilíbrio nos contratos de trabalho, conciliando
interesses da classe trabalhadora e das empresas, passa a ser subsidiadas pelo
Ministério da Economia, já significando claramente que os interesses
majoritariamente atendidos serão dos empregadores, ou seja, de quem detém os
meios de produção. Na prática, essas descaracterizações das NRs aliadas a falta de
fiscalização do trabalho (uma vez que não temos há anos concursos para Auditores
Fiscais e os em exercício não são suficientes para a demanda de quantidade de
empresas) e aplicação das penalidades previstas em normas legais ou coletivas
monitorando o cumprimento das normas pelos empregadores, investigando as
denúncias e tomando as medidas cabíveis para que situação seja regularizada,
representará um cenário cada vez mais insalubre e gerador de adoecimentos e
mortes para a classe trabalhadora.
Outro impacto diz respeito a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT),
uma vez que a parceria entre MTE e MPT é de suma importância para a efetivação
dos direitos fundamentais dos trabalhadores/as, já que a fiscalização do trabalho
auxilia muito nas investigações do MPT, especialmente em temas estratégicos,
como o combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e às irregularidades no
meio ambiente. O cenário de desmantelamento das incipientes proteções sociais,
conquistadas duramente pela classe trabalhadora neste jovem período democrático,
representa acabar com possibilidades de existência e resistência dos trabalhadores
para a reprodução social no Brasil. Portanto, a conjuntura é de luta de classes clara
e escancarada!
É necessário considerar de forma concreta a existência do conflito entre
capital versus trabalho e urge barrarmos essas práticas políticas do governo, com
argumentos frágeis em prol de mais emprego e modernização, que atendam apenas
a mais lucros do capital, desconsiderando um projeto de sociedade e a Saúde do
Trabalhador. O ônus será a saúde e a vida da classe trabalhadora e o risco de não
haver mais condições materiais e objetivas! O que significa sermos dizimados em
pouco tempo. Exigimos que o debate da pretensa mudança das NRs aconteça com
maior transparência, cautela e tempo, com consulta pública, de modo a garantir os
reais interesses da classe trabalhadora, por um ambiente de trabalho seguro que
não nos adoeça e mate!
ASSINAM ESTE MANIFESTO
DIESAT – Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e
dos Ambientes de Trabalho
FENATEMA – Federação Nacional dos Trabalhadores em Água, Energia e
Meio Ambiente
FEQUIMFAR/SP – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e
Farmacêuticas do Estado de São Paulo
FETQUIM-CUT SP - Federação dos Trabalhadores do Ramo Químicos da
CUT do Estado de São Paulo
SEEL/SP - Sindicato dos Empregados em Editoras de Livros
Sindicato dos Eletricitários de SP
Sindicato dos Marceneiros de SP
Sindicato dos Padeiros de SP
Sindicato dos Radialistas de SP
SINTAEMA/SP – Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio
Ambiente do Estado de São Paulo
STI Metalúrgicos de Guarulhos
STI Metalúrgicos de Osasco e Região
STI Químicos de SP
STI Químicos do ABC
ABRASTT – Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora
ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
CESTEH – Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia
Humana / FIOCRUZ
CNTI – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria
CNTM - Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos
CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil
Força Sindical
ITD – Instituto Trabalho Digno
OSBCR – Observatório Sindical Brasileiro Clodesmidt Riani
Pública Central do Servidor
SINDÁGUA-RJ Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação
e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói
Sindicato dos Estivadores de Santos; São Vicente; Guarujá e Cubatão.
STI Metalúrgicos de São Paulo
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