2. Contrato de trabalho: prevalência do negociado sobre a lei
A Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), que vigora desde o último dia 11 de novembro, altera significativamente as relações contratuais entre patrões e empregados. As mudanças são defendidas pelos empresários e pelo governo como valorização da negociação direta entre trabalhadores e empregadores. Contrário à nova legislação, o movimento sindical tem afirmado que a reforma retira direitos dos trabalhadores. A imagem que retrata a reforma e vem sendo utilizada pelo movimento sindical é a de uma carteira de trabalho rasgada.
E qual é a mudança mais importante introduzida por esta legislação com respeito ao contrato de trabalho?
Sem dúvida, a instituição da prevalência do negociado sobre a lei. A partir de agora, a convenção coletiva e o acordo coletivo ou ainda o individual (no caso de empregados com diploma de nível superior e que recebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo do benefício da Previdência Social, atualmente em R$ 11.062,62) prevalecem sobre a legislação (Art. 611-A e Parágrafo único do Art. 444) em relação a temas como: jornada de trabalho, intervalos intrajornada e banco de horas; redução de salários e jornada; teletrabalho, trabalho intermitente e regime de sobreaviso; remuneração por produtividade; participação nos lucros ou resultados; definição do grau de insalubridade e prorrogação da jornada em ambientes insalubres.
Com a publicação da Medida Provisória 808, de 14 de novembro de 2017, que modificou alguns pontos na reforma, os acordos para definição do grau de insalubridade e prorrogação da jornada em locais insalubres devem respeitar as normas legais de saúde, higiene e segurança do trabalho. Ressalva branda, já que segue mantido na Lei 13.467 o preceito de que regras sobre duração do trabalho e intervalos não devem ser consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho (Parágrafo único do Art. 611-B).
Essa reforma permite ainda que o acordo individual da empresa com qualquer empregado possa prevalecer sobre a lei quando tratar de temas, anteriormente admitidos somente com a participação sindical, como o banco de horas até seis meses, a extensão diária de duas horas extras e a compensação mensal da jornada; bem como para pontos incluídos pela própria Lei n.º 13.467, como regime de teletrabalho, parcelamento das férias em três períodos e, até mesmo, a demissão do empregado. No caso de demissão por acordo individual, que conta com forte interesse de setores com alta rotatividade do emprego (como o caso das empresas da construção civil), o trabalhador perderá várias medidas legalmente estabelecidas: a metade do valor do aviso prévio, se for indenizado; a metade da multa do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). E receberá apenas 80% do valor dos depósitos do FGTS, sem direito ao seguro-desemprego.
A primazia do negociado sobre a lei inverte a hierarquia normativa da proteção social do trabalho: o acordo individual entre capitalista e o trabalhador prevalece sobre o acordo coletivo entre empresa e sindicato, este acordo predomina sobre a convenção coletiva entre sindicato de trabalhadores e sindicato patronal no âmbito de toda categoria profissional (Art. 620), e a convenção sobre a lei.
Com isso, a reforma trabalhista afirma a individualização dos contratos, ou seja, a frieza da igualdade jurídica entre patrões e empregados na relação contratual que concede ampla liberdade para o empregador dispor do tempo do trabalhador como e quando bem entender, podendo organizá-lo e utilizá-lo segundo seus interesses e em conformidade com as oscilações dos ciclos econômicos no mercado nacional e internacional.
Tanto mais porque a lei faculta as empresas diversas modalidades de contratação dos trabalhadores especialmente por meio da terceirização, ampliada para qualquer atividade.
A reforma põe fim e autoriza a retirada de direitos conquistados pelos trabalhadores, tanto os estabelecidos na CLT como em acordos e convenções coletivas. Exemplo é a pretensão de empresas como a Volkswagen na Região do ABC paulista em por fim à estabilidade até a aposentadoria dos trabalhadores acidentados e com doença do trabalho, que, desde os anos 1990, consta da convenção coletiva dos metalúrgicos.
Apesar de seu provável questionamento nos Tribunais pelos sindicatos e mesmo por associações de magistrados, os trabalhadores já se mobilizam na defesa de seus interesses, como ocorreu durante a paralisação das operadoras de caixas e empregados do Supermercado Mundial no Rio de Janeiro que cruzaram os braços contra o corte do pagamento das horas extras nos domingos e feriados trabalhados, reivindicando pausa para lanche e fim do desvio de função.
Quem lutar participará da definição da forma do futuro.
Ariane Leites Larentis, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz
José Augusto Pina, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz
Manuella Soares, aluna do Curso de Especialização em Saúde do Trabalhador do CESTEH/ENSP/FIOCRUZ.
Os autores integram a Rede de Pesquisa em Saúde do Trabalhador: produção de conhecimento entre trabalhadores, profissionais dos serviços e pesquisadores <redepesquisast@gmail.com>
Acesse os demais artigos da Série Reforma Trabalhista:
1. Os impactos da reforma trabalhista na proteção social, saúde e organização dos trabalhadores
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