Reforma trabalhista e mudanças na jornada de trabalho: prolongamento do trabalho
Conhecida como “reforma trabalhista”, as medidas da lei 13.467/2017 têm sido apresentada pelos representantes das entidades patronais e pelo próprio governo como indispensáveis para viabilizar a retomada do crescimento econômico, ajustando o Brasil às condições do mercado mundial. O movimento sindical, em contrapartida, entende a lei como um ataque contra os direitos trabalhistas assegurados ou na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou em acordos e convenções coletivas.
Entretanto o que de fato muda, com esta reforma, no tocante à jornada de trabalho?
A jornada de trabalho é o objeto principal do contrato de trabalho uma vez que determina, na relação entre trabalhadores empregados por uma empresa, o tempo de duração, a intensidade, os intervalos e pausas, os turnos e as escalas de revezamento prestados. Mediante a jornada diária, ao longo de um tempo determinado ou indeterminado do ponto de vista contratual, mais ou menos intensa, os trabalhadores produzem mercadorias, bens e serviços nos quais se materializa seu trabalho e, simultaneamente, a garantia de sua remuneração (salário) e do lucro das empresas.
A Lei 13.467/2017 retoma, no que diz respeito à jornada, mudanças já introduzidas nas relações entre capital e trabalho desde o governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim, reconhece o regime de compensação de horas de trabalho criado por meio da Lei 9.601, de 21 de janeiro de 1998, conhecido como Banco de Horas.
O regime de compensação torna possível ampliar ou reduzir as horas de trabalho diárias, estabelecendo sua compensação, positiva ou negativa, até o final ou mesmo além de um ano de contrato. Esta compensação está limitada a duas horas diárias sem a alteração de salário. Na prática, a maioria das empresas que adota o Banco de Horas o faz na base de uma hora a mais por uma hora a menos, ou seja, trabalho extraordinário sem acréscimo de adicional compensado por horas de trabalho normal. Em outros termos, um aumento da exploração absoluta dos trabalhadores e uma burla da lei quanto ao trabalho extraordinário. A adoção desse regime caracteriza a chamada produção enxuta, ou seja, desde o começo da década de 1990, de empresas operando com um mínimo de trabalhadores, de modo ininterrupto e intensificado, permitindo adequar-se às oscilações do ciclo econômico ou do ramo de produção (Pina e Stotz, 2011).
A nova lei mantém e acentua estas disposições: a primeira mudança é a de possibilitar o banco de horas contratado individualmente entre empregado e empregador, sem a participação sindical e limitada a duração de seis meses; a segunda alteração permite a compensação da jornada individual no mesmo mês, sem acordo; a outra tem a ver com o sistema de revezamento, permitindo acordo ou convenção coletiva para o prolongamento da jornada estabelecida em 8 horas para a jornada de 12 horas de trabalho seguidas de 36 horas de descanso ou regime de 12 x 36 horas. Também nesse caso admite-se acordo individual entre empregado e empregador.
A Medida Provisória nº 808, publicada e em vigor desde 14 de novembro de 2017, mudou algumas medidas da reforma. Um desses pontos altera o Art. 59-A e seus parágrafos que permitia a extensão do regime 12 x 36 horas por acordo individual em todos os setores. A MP limitou o acordo individual apenas às “entidades atuantes no setor de saúde”, permitindo este regime nos demais setores somente por meio de acordo ou convenção coletiva.
Aparentemente os trabalhadores submetidos ao regime de 12 x 36 horas têm, no cômputo mensal, uma jornada menor. Sabemos, contudo, dado o baixo nível salarial vigente no conjunto da economia, inclusive no setor em que tal revezamento funciona, torna-se impositiva a contratação de novas jornadas, resultando numa acumulação de empregos até o limite de jornadas compostas de 12 x 12 horas. E um nível de desgaste no trabalho brutal, com sequelas para a saúde física e mental dos trabalhadores.
Além de retirar direitos, a reforma trabalhista enfraquece a resistência dos trabalhadores ao permitir a individualização dos contratos e provoca um aumento na taxa de emprego-re-emprego (“turn-over”) cuja conseqüência é o rebaixamento salarial.
Apelar para Justiça, nestas condições, mesmo que sob a forma de ações de inconstitucionalidade, nunca deve substituir a mobilização direta dos trabalhadores. Pois a conjuntura na qual a lei 13.467/2017 foi imposta tem permitido às empresas tentar derrubar conquistas que os trabalhadores mais organizados já consideravam “históricas”. Exemplo é a posição da Companhia Siderúrgica Nacional que pretende retomar a jornada fixa de oito horas, anulando a conquista das 6 horas de trabalho, e acabar com o quinto turno do sistema de revezamento. Mais desemprego, prolongamento da jornada e intensificação do trabalho, eis o que daí resultará se não houver resistência dos operários.
Eduardo Stotz
Rede de Pesquisa em Saúde do Trabalhador: produção de conhecimento entre trabalhadores, profissionais dos serviços e pesquisadores - redepesquisast@gmail.com
Acesse os demais artigos da Série Reforma Trabalhista:
1. Os impactos da reforma trabalhista na proteção social, saúde e organização dos trabalhadores
2. Contrato de trabalho: prevalência do negociado sobre a lei
3. Reforma trabalhista e terceirização: um horizonte de retrocessos já anunciado
Copyright © 2017 - 2021 - CESTEH