Manuella Soares*
O Congresso Nacional pode até ter paralisado temporariamente as pautas relativas à Reforma Trabalhista, assim como as que tratam da Reforma da Previdência, por conta das denúncias de corrupção envolvendo o presidente Michel Temer e o grupo JBS. Mas as medidas estão aí prestes a serem aprovadas assim que outro nome assumir a Presidência da República, de forma direita ou indireta, via parlamentar.
Isso porque, muitas das propostas apresentadas nas reformas, especialmente na trabalhista e na Lei de Terceirização, já estavam em pauta bem antes do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Medidas apresentadas por governos para o setor público e pela iniciativa privada já foram até encampadas, seja em acordos com sindicatos, seja pelo Judiciário por meio de súmulas vinculantes expedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A Reforma Trabalhista, assim como a Lei da Terceirização e a Reforma da Previdência devem ser vistas em conjunto, segundo José Augusto Pina, pesquisador do Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Fiocruz. Para ele, as propostas encaminhadas pelos últimos governos estão interligadas a um grande projeto que tem como objetivo principal desregulamentar o máximo possível as relações entre empregados e empregadores, ou entre trabalho e capital. E com isso atingem em cheio a saúde do trabalhador.
"As reformas Trabalhista, Previdenciária e também a terceirização precisam ser vistas em seu conjunto e têm grande impacto na vida e na saúde do trabalhador”, alerta o especialista.Perda de direitos aumenta o adoecimento
A Reforma Trabalhista derruba uma série de direitos contidos no atual texto da Consolidação dos Direitos Trabalhistas (CLT). A principal mudança é a possibilidade de os empregados, assim como suas entidades de classe, poderem negociar acordos e contratos com perdas de direitos e benefícios em relação ao que determina hoje a CLT. Isso é o chamado “acordado sobre o legislado”.
As empresas trabalham com a ideia de que o profissional ou empregado tem que produzir sempre mais em menos tempo. Essa é a lógica que prevalece no mundo do trabalho: mais em menos tempo. Metas e produtividade para garantir o salário no fim do mês. E esse cenário é o mais favorável para a ocorrência de acidentes de trabalho e adoecimento, físico ou mental.
A cláusula mais perigosa
Com a reforma, as possibilidades de pressão por parte dos empregadores aumentam ainda mais. Aqueles que são filiados a sindicatos menores ou sem poder de barganha tenderão a concordar com acordos desfavoráveis que aceitam o aumento ou flexibilização da jornada sem pagamento de horas extras, o trabalho em ambiente insalubre sem gratificação, demissões nas quais o empregado abre mão de reclamar direitos posteriores, entre outros, que hoje não são permitidos pela legislação maior.
“Hoje as negociações entre patrões e empregados não são proibidas, mas têm que ser feitas respeitando um patamar mínimo de direitos para o trabalhador”, ressalta Pina.
Pela Reforma Trabalhista não haverá limites para o aumento da exploração e consequentemente o adoecimento e os acidentes de trabalho só tendem a aumentar. “Especialmente para os chamados pelas empresas de ‘compatíveis’ ou teriam ‘baixa performance’ por apresentarem algum problema de saúde (geralmente, produzido pelo próprio trabalho) ou serem acidentados. Esses que hoje ainda conseguem na Justiça readaptação, auxílios saúde ou acinte, ou mesmo serem reintegrados após demissão, ficarão à mercê de acordos os mais abusivos”, enumera.
Jornadas caso a caso
Pelas regras propostas, trabalhadores e empregados poderão negociar de que forma será a jornada de trabalho semanal. Que poderá não ser mais uma jornada, mas um horário diário, sendo que empregador pode convocar o empregado a trabalhar durante um determinado número de horas por dia. O que é diferente do trabalho contínuo, em jornadas, que é pago levando em conta 30 dias trabalhados, em forma de salário.
A outra forma prevê mais uma etapa de precarização, na qual o trabalhador recebe por diária, e o pagamento seria feito logo em seguida ao serviço realizado, incluindo os percentuais proporcionais de férias, FGTS, Previdência e 13º salário. Uma espécie de regulamentação do tipo boia-fria.
Acidentes ocorrem mais nas últimas horas da jornada
Hoje, a CLT permite que a jornada de trabalho exceda o limite legal (oito horas diárias e 44 semanais) ou convencionado se ocorrer necessidade imperiosa, por apenas duas horas, que devem ser pagas com acréscimo de 50% e de até 100% nos finais de semana. A Reforma Trabalhista também libera o empregador para acordar com o empregado uma jornada diária de até 12 horas, ampliado para quatro o número de horas extras.
A questão é que as pesquisas da área de saúde do trabalhador mostram que os acidentes de trabalho ocorrem na maioria das vezes durante as duas últimas horas do expediente. “Justamente no fim da jornada quando a pessoa está mais cansada, debilitada física e emocionalmente e com o aumento da jornada diária o índice de acidente só tende a aumentar”, diz o pesquisador.
Assédio e gestão por metas
O assédio moral e as relações de trabalho geridas por metas e produtividade têm sido hoje as grandes causas do aumento exponencial de transtornos mentais entre os trabalhadores. A reforma também vai contribuir com o crescimento desse tipo de doença. “Com a intensificação do trabalho que ocorrerá com a perda de direitos, as empresas, seja no setor produtivo, de serviços ou até gestores do setor público irão pressionar por acordos rebaixados e por contratos individuais, onde o trabalhador para não perder sua vaga vai aceitar condições precárias e o cumprimento de metas abusivas”, afirma José Augusto Pina.
Trabalho remoto ou 24h de prontidão?
O trabalho remoto também será liberado para todas as áreas e o trabalhador não terá mais uma jornada definida, isso significa que será difícil para muitos profissionais dizerem não a tarefas em qualquer horário que sejam solicitadas por seus gestores ou empregadores. Embora muitos possam achar interessante trabalhar em casa ou perto de família, essa brecha no trabalho a distância abre espaço para muitas formas de assédio, ainda mais sofisticadas do que hoje ocorrem no ambiente presencial. Antes mesmo das reformas, muitos ao se verem presos a seus aparelhos digitais, especialmente aos smartfones, respondendo a suas chefias imediatas ou sendo cobrados em suas tarefas já experimentam esse tipo de trabalho 24h por dia, sete dias por semana.
Reforma afeta até a saúde de quem ainda não nasceu
Só para dar alguns exemplos de como a Reforma Trabalhista atinge a saúde dos que vivem do trabalho, vai permitir que gestantes possam trabalhar em ambiente insalubre. Hoje isso é vedado pela CLT. “E numa conjuntura de desemprego cada vez mais crescente é lógico que essa possibilidade fará a trabalhadora optar por trabalhar nessas condições para não perder o emprego. A saúde de quem ainda nem nasceu vai estar comprometida”, denuncia.
A licença gestante é outra afetada pela reforma do governo Temer. “Hoje as mães têm direito a quatro meses de licença maternidade e até seis meses no serviço público. A reforma reduz para três meses”, diz o especialista. A maioria das empresas não possui creche e a amamentação da criança que deve ser mantida por um período mínimo de seis meses vai estar comprometida, já que a ingestão do leite materno é principal fator de redução da mortalidade na infância.
*Jornalista
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