Reforma trabalhista e terceirização: um horizonte de retrocessos já anunciado
A terceirização está associada de forma direta ao processo da precarização do trabalho no Brasil e representa uma prática que encontrou, no cenário político-econômico do país, um solo fértil para a sua propagação. A reforma trabalhista brasileira catalisa os efeitos deletérios já anunciados pela disseminação da terceirização assim como representa uma ameaça aos mecanismos de proteção social, saúde e organização da classe trabalhadora. Observa-se uma descaracterização das relações de emprego, considerando-as uma suposta relação empresa-empresa.
Principalmente a partir dos anos 1990, observa-se que os trabalhadores e trabalhadoras terceirizados recebem salários menores, possuem maiores jornadas de trabalho, são menos amparados pelos mecanismos de proteção social e representam as maiores vítimas de acidentes de trabalho no país. Em outras palavras, são os que trabalham mais horas e ganham menos. Os que são menos amparados e os que mais adoecem. São também os que mais morrem.
No Brasil, a legislação referente à terceirização tem como marco inicial as Leis 5645/1970 e 6.019/74 que, respectivamente, tornou legal a prática da terceirização de serviços (transporte, limpeza, custódia etc) por instituições do setor público, e autorizou a subcontratação de determinados serviços por parte de organizações do ramo financeiro. Neste período, não era autorizada a terceirização de quaisquer tipo de atividades permanentes, principais (atividades-fim) das empresas. Em 1993, impulsionado por forças do âmbito privado, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou o enunciado 331 - cancelando o anterior Enunciado 256, de 1986 - que tornou lícita a contratação de quaisquer serviços ligados às atividades de suporte (atividades-meio) das empresas, o que era vedado pelo enunciado anterior.
Aprovado de forma preocupante em março de 2017, o PL 4302/98 legalizou a terceirização de todas as atividades das empresas (tanto meio quanto fim). Transformado na Lei ordinária nº 13.429/2017 e ainda reforçado pela chamada reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) este projeto instaura um cenário de terceirização sem limites no qual, a partir das experiências anteriores observadas através da disseminação da terceirização no país, são atendidas as necessidades do capital em detrimento das frágeis tentativas de manutenção da rede de proteção social e da saúde dos trabalhadores e trabalhadoras. No que se refere à terceirização, a reforma avança ao permitir, por empresa terceirizada, a execução de quaisquer atividades (tanto meio quanto fim) e a execução das condições de alimentação, transporte e serviços médicos ambulatoriais semelhantes para os trabalhadores terceirizados e os diretamente contratados como estratégia de redução de custos e controle da força de trabalho.
Nesta conjuntura, observa-se uma radicalização da flexibilidade das formas de contratação no país. Neste processo de pulverização dos vínculos trabalhistas, os trabalhadores e trabalhadoras passam a ser contratados através de cooperativas, pessoas jurídicas (PJs), micro-empreendedores individuais (MEI) e outras modalidades. Com as regulamentações presentes no projeto da reforma trabalhista, as empresas poderão, respaldadas juridicamente, contratar da maneira que bem entenderem, por quanto tempo quiserem e não serão responsáveis por fornecer amparos e proteções aos trabalhadores e trabalhadoras que por elas são cotidianamente explorados e desvalorizados enquanto força de trabalho. Assim, a lógica do capital produz sujeitos que acreditam ser empreendedores de si, únicos responsáveis por seus sucessos e fracassos profissionais, retirando das empresas suas responsabilidades contratuais e desarticulando movimentos coletivos e formas de organização dos trabalhadores e trabalhadoras.
A nova consolidação da legislação trabalhista brasileira visa rebaixar os custos com a força de trabalho e ajustar a produtividade do trabalho no país ao sistema capitalista internacional e caminha na contramão da garantia de direitos e proteção da classe trabalhadora. Suas regulamentações - principalmente as referentes ao trabalho temporário, terceirizado, à jornada parcial, ao trabalho autônomo e ao trabalho intermitente - tornam ainda mais precários os vínculos trabalhistas, as relações de trabalho, e acentuam os efeitos negativos já observados pela prática da terceirização no país, apontando para um horizonte de retrocessos já anunciados. Por fim, observa-se que tais mudanças colaboram ainda mais para a desarticulação de instâncias sindicais e para o aumento dos níveis de fragmentação dos coletivos de trabalhadores.
Sergio Dias Guimarães Junior
Psicólogo (UFRJ) e aluno do curso de especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP / FIOCRUZ.
Bárbara da Costa Santos Teixeira
Assistente social (UFRJ) e aluna do curso de especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana da ENSP / FIOCRUZ.
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1. Os impactos da reforma trabalhista na proteção social, saúde e organização dos trabalhadores
2. Contrato de trabalho: prevalência do negociado sobre a lei
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