Reforma trabalhista e mudanças na jornada do trabalho: intensificação do trabalho
Este artigo pretende apresentar e refletir as alterações da legislação trabalhista, implementadas pela lei n. 13.467/17, que reduzem e excluem intervalos no interior da jornada de trabalho, provocando a redução dos custos com salários e encargos e a intensificação do trabalho.
Em primeiro lugar, essa legislação excluiu da caracterização como jornada de trabalho, e da hora extra, o tempo que o trabalhador permanecer na empresa “por sua própria vontade” antes do início, durante ou após a jornada, seja por insegurança no exterior da empresa, por más condições climáticas ou para exercer atividades particulares, como “práticas religiosas, lazer, descanso, alimentação, estudo, higiene pessoal”. Isso abre possibilidade para que a troca de vestuário, a higiene pessoal, o lanche e o deslocamento do portão de entrada da empresa até o posto de trabalho (ou o inverso) não sejam computados como jornada de trabalho. Em outros termos, qualquer atividade realizada que não seja estritamente produtiva poderá ser suprimida de forma indiscriminada da jornada de trabalho.
Outro ponto diz respeito ao intervalo para refeição e descanso. A CLT obrigava a empresa a oferecer ao trabalhador um intervalo para repouso ou alimentação de pelo menos uma hora, em uma jornada de seis ou mais horas diárias. Quando esse intervalo fosse reduzido, o empregador deveria pagar o tempo suprimido mais o valor correspondente a uma hora de trabalho, com acréscimo de 50% sobre o valor da hora normal, de acordo com a súmula 437 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A partir da reforma: a) o intervalo de almoço pode ser reduzido para um mínimo de 30 minutos; b) se esse intervalo for reduzido ou eliminado, o pagamento de caráter indenizatório deve corresponder somente ao período suprimido, ou seja, o empregador pagará apenas o que o empregado de fato trabalhar (ilegalmente) durante o período de descanso ou refeição, eliminando a multa por ter atacado um direito do trabalhador. Violar o direito de descanso e alimentação dos trabalhadores afeta diretamente a saúde do trabalhador.
O deslocamento de casa ao trabalho e vice-versa, quando em local de difícil acesso ou não servido de transporte público, é conhecido juridicamente como horas in itinere. Pela nova legislação, esse tempo não será mais considerado jornada de trabalho. Trata-se de um período em que o trabalhador está disponível para a empresa, mas, na visão dos empresários, é um custo desnecessário, pois é “tempo morto” e “improdutivo”. Isto é, não está gerando lucro ao patrão. Para os trabalhadores, por outro lado, esse tempo é de desgaste com as longas horas de deslocamento de ida e volta ao local de trabalho determinados pelas próprias empresas.
A antiga CLT obrigava o empregador a conceder pelo menos dois intervalos de 30 minutos cada para que a trabalhadora lactante possa amamentar a seu filho(a) nos primeiros seis meses de vida, durante a jornada de trabalho. Todavia, as empresas geralmente consideram as mulheres lactantes menos produtivas e mais onerosas, discriminando-as via “assédio moral”, uma forma de despotismo do capital exercido no processo de trabalho decorrente das relações sociais capitalistas e que, na verdade, ultrapassa as esferas meramente éticas ou morais. Assim, esse direito já era insuficiente e não se concretizava na prática, pois as empresas (e seu entorno) não tinham estrutura para atendê-lo. A reforma estabelece uma regressão ainda maior, já que a concessão de intervalos para aleitamento não será obrigatória, mas subordinada à negociação entre empregador e trabalhadora.
A eliminação dos intervalos é ainda mais perversa no caso da jornada de 12 x 36 horas. A reforma trabalhista passa a permitir jornada de 12 x 36 horas sem intervalos, ou seja, 12 horas ininterruptas de trabalho. É importante comentar, esta longa jornada imputa maior risco à saúde do trabalhador, observa-se o fato que este risco é potencializado em locais de trabalho onde há maiores chances de acidente.
As alterações citadas, além de reduzir os chamados “custos” com o pagamento aos trabalhadores desses tempos (deslocamentos, intervalos e pausas) antes computados na jornada de trabalho, estão relacionadas à eliminação dos “poros” ou “tempos mortos” no interior da jornada de trabalho. A intensificação do trabalho realizada por meio destes dispositivos significa trabalhar mais no mesmo tempo, isto é, gastar mais energia física, psíquica e mental durante o trabalho. Portanto, desgastar-se mais.
Em conjunto com o prolongamento da jornada de trabalho, trata-se de “trabalhar mais intensamente e por mais tempo”. Esses “poros” – agora reduzidos ou eliminados – poderiam funcionar para que o trabalhador recupere parcialmente o desgaste provocado pelo trabalho, diminuindo assim a chance de se acidentar ou adoecer. Desta forma, a combinação prolongamento-intensificação é altamente danosa para a saúde dos trabalhadores.
Aliado ao aumento da produtividade, ao rebaixamento dos salários e à eliminação de trabalhadores da produção via desemprego, o prolongamento da jornada e a intensificação do trabalho visam à retomada da lucratividade das empresas. A pretensão da reforma é permiti-las “gerenciar” seus trabalhadores (leia-se: admitir, demitir, ampliar ou reduzir a jornada de trabalho etc.) conforme os humores da produção e da circulação de bens e mercadorias.
Leonardo Dresch Eberhardt
Aluno de Doutorado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).
Kassia Pedrosa
Aluna da graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Membros da “Rede de Pesquisa em Saúde do Trabalhador: produção de conhecimento entre trabalhadores, profissionais dos serviços e pesquisadores”.
Contato: redepesquisast@gmail.com
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