Os impactos da reforma trabalhista sobre os salários e remunerações
Este artigo pretende analisar os efeitos diretos e indiretos da reforma trabalhista sobre os salários e remunerações. É preciso salientar que, do ponto de vista jurídico, salário e remuneração são diferentes entre si. Salário é o preço pago pelo empregador para alugar a força de trabalho do empregado por determinado período de tempo. Remuneração, por sua vez, é a soma do salário com outros valores pagos pelo empregador que incluem adicionais (noturno, insalubridade, periculosidade, hora extra), comissões, gratificações, diárias, gorjetas, bônus da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) etc. Mantendo baixo o salário, as empresas apresentam essas parcelas como supostas “vantagens”, estimulando especialmente a remuneração variável de natureza não salarial, sem incidir encargos. A reforma trabalhista, por meio da alteração do artigo 457 da CLT, reforçou essa característica com a eliminação da natureza salarial de diversas parcelas da remuneração dos trabalhadores. Como consequência, diminui a base de cálculo e o valor das férias, décimo terceiro salário, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e benefícios previdenciários, além de reduzir a arrecadação do próprio FGTS e da Previdência Social. Vejamos quais são os casos em que há mudanças.
O parágrafo 2º do artigo 457 estabelece que o pagamento de valores, “ainda que habituais”, de “ajuda de custo, auxílio-alimentação [...] diárias para viagem, prêmios e abonos” não integram o salário do trabalhador e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. Além disso, como foram retirados da compreensão de “jornada de trabalho”, o trabalhador não será remunerado pelo tempo que permanece na empresa para “troca de vestuário, higiene, descanso, lazer, estudo, alimentação, atividades de relacionamento social” etc. (artigo 4° § 2).
O artigo 611-A permite a redução salarial ou de jornada de trabalho (independentes uma da outra) mediante acordo coletivo ou individual. Considerando o contexto de elevado desemprego e a ameaça que isso se configura para os trabalhadores, esse dispositivo amplia a possibilidade de a empresa utilizar a coação para promover o rebaixamento salarial. O mesmo artigo consolida o Programa de Seguro-Emprego (PSE), implantado pela lei n. 13.189, de 19 novembro de 2015 – à época com o nome de Programa de Proteção ao Emprego (PPE). Tal programa permite a redução de salário e jornada de até 30%, mediante acordo entre empresa e sindicato. Metade da parcela de salário reduzida é compensada com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O PSE/PPE visa possibilitar a adequação da produção da empresa às necessidades do capital, às custas do salário dos trabalhadores. A garantia do emprego é temporária, apenas no período da redução salarial e da jornada acrescido de um terço desse período. Após esse período, as demissões podem continuar a todo vapor, inclusive os antigos inscritos no PPE são os novos demitidos.
A reforma mantém e amplia a adoção da remuneração variável via PLR, instituída em 1994, no governo Fernando Henrique Cardoso, na conjuntura de derrota do movimento sindical no enfrentamento do plano real, e foi gradualmente sendo aplicada a praticamente todos os setores econômicos. A PLR amplia a exploração do trabalho e a subordinação dos trabalhadores à empresa apresentando tal relação como de “colaboração” e “envolvimento”. Trata-se de instrumento gerencial voltado para o aumento da intensidade do trabalho. A PLR não é incorporada ao salário nem aos demais direitos trabalhistas, bem como não há recolhimento ao FGTS nem a Previdência Social. Outra forma de remuneração de natureza não salarial constante da reforma é o pagamento por produtividade, as gorjetas e a remuneração por desempenho individual. No caso das gorjetas, por exemplo, o empregador pode retê-las e distribui-las como quiser. Também estabelece que o pagamento de prêmios pode ser feito em bens ou serviços. Nenhum desses três dispositivos integra o salário e, por isso, não compõem a base de cálculo de direitos como férias, décimo terceiro salário e FGTS.
No caso do teletrabalho, o artigo 75-D afirma que os custos e a responsabilidade pela aquisição e manutenção dos equipamentos tecnológicos ou da infraestrutura necessária à realização do trabalho devem ser previstas em contrato escrito, mas não afirma que eles devem ser arcados pela empresa. Essas despesas, mesmo quando bancadas pela empresa, não configuram salário.
Quando realizada demissão em massa ou individual via Plano de Demissão Voluntária (PDV) acordado entre empresa e sindicato, a reforma estabelece a quitação “plena e irrevogável” de todos os direitos decorrentes da relação empregatícia (Art. 477-B). A quitação geral de direitos trabalhistas, incluída em acordos de PDV entre empresa e sindicato de alguns ramos econômicos, era questionada por trabalhadores na Justiça do Trabalho. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2015, atendeu a apelação das empresas e validou a cláusula de quitação geral em acordos de PDV assinado por sindicatos. Embora comemorada pelos empresários, havia questionamento quanto à repercussão geral dessa decisão, agora assegurada com sua incorporação na reforma trabalhista. E mais: para evitar a quitação geral, o acordo de PDV necessita constar cláusula de que não enseja quitação de direitos trabalhistas. Caso contrário, todo acordo de PDV concede quitação plena de direitos do trabalhador à empresa.
A reforma também proporciona o rebaixamento salarial de forma indireta ao legalizar a terceirização para quaisquer atividades; ampliar a possibilidade de uso dos contratos temporário e em tempo parcial; modificar pontos da jornada de trabalho; legitimar a contratação intermitente. Por exemplo, pesquisas demonstram que os terceirizados e os trabalhadores contratados por tempo parcial ou temporários recebem menor salário e remuneração dos que os contratados diretamente e por prazo indeterminado.
Desta forma, a reforma trabalhista configura uma ameaça à sobrevivência material dos trabalhadores e suas famílias. Os salários já eram muito baixos e agora poderão diminuir ainda mais. É provável que, para garantir a sobrevivência de seus familiares, homens e mulheres terão que acumular mais de um emprego – quando possível, em virtude do desemprego. Isso tudo, lembre-se, trabalhando com maior intensidade e com uma jornada mais extensa, isto é, com comprometimento da saúde física e mental. Apenas a ação coletiva dos trabalhadores organizados como classe pode reverter esse quadro.
Leonardo Dresch Eberhardt
Aluno de Doutorado em Saúde Pública da Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).
Kassia Pedrosa
Aluna da graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Membros da “Rede de Pesquisa em Saúde do Trabalhador: produção de conhecimento entre trabalhadores, profissionais dos serviços e pesquisadores”.
Contato: redepesquisast@gmail.com
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2. Contrato de trabalho: prevalência do negociado sobre a lei
3. Reforma trabalhista e terceirização: um horizonte de retrocessos já anunciado
4. Reforma trabalhista e mudanças na jornada de trabalho: prolongamento do trabalho
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